A grande festa se aproxima e achei propício o tema.
O termo “carnaval” tem origem polêmica. Pode ter vindo do latim carnem leváre (abstenção de carne) ou de carne, vale! (carne, adeus!), que designavam a quarta-feira de cinzas e anunciavam a supressão do consumo da carne devido à Quaresma. Existe, ainda, uma terceira versão, menos aceita, com gênese na expressão latina carrus navalis (carro naval), por associação à carreta em forma de barco usada nas festas populares da antiga Roma.
A festa de Carnaval teria nascido da Festa de Osíris, deus do vinho no antigo Egito, que marcava o recuo das águas do Nilo e a fertilidade da primavera. Festejos semelhantes aconteciam na Grécia, em homenagem à Dionísio e em Roma, com os bacanais, saturnais e lupercais, que festejavam os deuses Baco, Saturno e Pã.
A tradição ainda é comemorada em diversos países, como França (Paris e Nice), Itália (Veneza e Roma), Alemanha (Nuremberg e Colônia), Austrália (Sidney), Canadá (Québec) e Estados Unidos, em Nova Orleans (desde 1857), onde tem origem francesa e é chamado de Mardi Gras (terça-feira gorda). Sem esquecer, é claro, do Brasil, onde teve início no Rio de Janeiro por volta de 1840 e hoje acontece em todo o país. Manteve-se o espírito inicial da festa: mistura de classes, irreverência, brincadeiras e sensualidade.
O deus grego Dionísio, também chamado de Baco, morria à cada colheita: pisando-se as uvas, sacrificava-se o deus. O suco era guardado até o fim do inverno, quando, então, Dionísio renascia em forma de vinho. Morte e renascimento de um deus, simbolizando a ressurreição da natureza e a fertilidade da terra, é um tema religioso antigo, comum a todas as civilizações. Este era, contudo, um caso muito particular, pois o deus era realmente bebido por seus adoradores e, ao penetrar-lhes o corpo efetivamente proporcionava alegria à suas almas.
Dionísio, junto com Apolo, formam a dicotomia mitológica grega dos opostos, emoção e razão. Apolo é um atleta e um cientista. É o belo, puro, equilibrado, sóbrio, defensor da lei e da ordem. Já Dionísio/Baco é passional, tem natureza instintiva, desinibida, entusiástica, criadora e desafiadora. Pouco lembrado é o fato deste não ser apenas o deus do vinho, mas também da fertilidade, da dança, do teatro e da música. O primeiro teatro do mundo foi construído no século IV a.C., na encosta oriental da acrópole de Atenas, Grécia. Comportava 14 mil pessoas, que vinham participar dos ritos dionisíacos da primavera.
Para o filósofo alemão Nietzsche, Dionísio é a própria essência da música. Esta, a mais pura das artes, não tem substância. Suas vibrações são uma sensação física, mas ela é invisível e impalpável. A música não nomeia coisas, como a linguagem verbal faz, atravessa assim barreiras defensivas da consciência e toca em pontos profundos da psique. Por isso é capaz de provocar, dionisiacamente, adesões apaixonadas ou recusas violentas, aparentemente inexplicáveis.
Seguindo este espírito, festas como o Carnaval assumem uma variada gama de aspectos do universo dionisíaco. A festa torna-se um território independente, de corpos semi-nús, música, bebidas, fantasias, alegria e despreocupação com o amanhã.
A sabedoria, contudo, está em ser ao mesmo tempo Apolo e Dionísio, numa assemblage adequada a cada momento, dentro da diversidade de cada ser humano. O mesmo vinho que aquece nossos corações, nos embriaga. Os gregos, um povo culto, viam estes fatos com lucidez, como disse Eubulus (355-346 a.C.), administrador de Atenas: “As 10 taças de vinho: eu preparo três para o moderado, uma para a saúde, que ele sorverá primeiro, a segunda para o amor e o prazer, e a terceira para o sono. Quando essa taça acabar, os convidados sábios irão para casa. A quarta é a menos demorada, mas é a da violência. A quinta é a do tumulto, a sexta a da orgia, a sétima a do olho roxo, a oitava é a do policial, a nona a da ranzinzice e a décima a da loucura e da quebradeira”.
MATÉRIA RETIRADA DO BLOG
MARCELO CAPELLO.
(fantástica matéria, muito obrigado)
RODRIGO CACHOLI.