Detalhe da cidade de Montalcino |
O s vinhos italianos têm uma tradição que remonta à antiga Roma. Até os anos 70 do século passado, porém, a qualidade estava ligada ao nome de importantes vitivinicultores e à algumas regiões clássicas produtoras, mais tarde transformadas em D.O.C. (denominazione di origine controllata) e D.O.C.G (denominazione di origine controllata e garantita), como Barolo, Barbaresco e Brunello. Em janeiro de 1999, por exemplo, a revista americana Wine Spectator elegeu os "Vinhos do Século" num artigo de James Suckling. Nessa lista seletíssima, com apenas 12 tintos, figurava apenas um italiano: o Brunello di Montalcino Biondi Santi Riserva 1955.
A distinção foi o justo reconhecimento a um nome que faz parte da história do vinho italiano. Na primeira metade de século XIX, Clemente Santi decidiu produzir um vinho de guarda, na zona de colinas, ao redor da cidade medieval de Montalcino, cerca de 40 quilômetros ao sul de Siena, na Toscana. Este vinho seria bem diferente do Chianti, o principal vinho da região. Ele pesquisou e desenvolveu diferentes clones de uvas, baseando-se na principal cepa italiana, a Sangiovese. O resultado foi a Sangiovese Grosso, ou Brunello (moreninho, em português), cujo clone levou o nome científico de BBS (Brunello Biondi Santi), em homenagem ao seu criador. Esta cepa é bem diferente de uma Sangiovese normal, desde o formato das folhas e dos cachos, até a disposição dos bagos e a casca mais grossa, contendo mais tanino e cor.
Em fins do século XIX, quando a praga Phyloxera dizimou os vinhedos europeus, o clone usado por vários produtores para o replantio enxertado foi a BBS. Em 1980, houve a criação da categoria DOCG (denominação de origem controlada e garantida) Brunello di Montalcino. A criação dos Biondi-Santi foi o primeiro vinho italiano a receber esta distinção. Hoje existem quase 200 produtores de Brunello di Montalcino, que juntos engarrafam cerca de 5,8 milhões de litros ao ano. O nome Brunello não pode ser usado em vinhos de outras regiões, mesmo que utilizem esta cepa.
Todo Brunello, contudo, segue um alto padrão, garantido por lei. Precisa ser composto por 100% de uvas Sangiovese Grosso ou Brunello, cultivadas com um rendimento máximo de oito toneladas de uva por hectare, possuir um teor alcoólico mínimo de 12,5% (embora quase todos tenham entre 13% e 14%), e amadurecer pelo menos 50 meses antes de chegar ao mercado. Desse período, ao menos dois anos do vinho precisam ser em barris de carvalho, sendo o restante em garrafa. Para os que ostentam a qualificação "Riserva", o período mínimo em barricas aumenta para 62 meses.
Para os apreciadores do mundo inteiro, o Brunello di Montalcino é quase uma seita, com adeptos fiéis. Esta é uma das menores denominações de origem italianas, que gera vinhos de longa guarda e alto preço. A qualidade, no entanto, é irregular, e muitas vezes não corresponde ao preço. Como acontece com muitos vinhos tradicionais, de venda garantida, alguns produtores deitam na fama e ali adormecem.
O clima de Montalcino é tipicamente mediterrâneo, com chuvas (cerca de 700mm anuais) concentradas na primavera e no outono. Os 24.000 hectares da região são geologicamente muito diversos, mas os vinhedos concentramse em colinas baixas (raramente ultrapassam 500 metros de altitude), com solo argiloso rico em calcário.
O Brunello é um vinho de terno e gravata. Normalmente sério, encorpado, complexo e alcoólico ma non troppo. Por lei os Brunellos só podem chegar ao mercado a partir do dia 1º de janeiro de seu 6º ano (incluindo o próprio ano de colheita), ou seja, as garrafas de 2001 só puderam chegar ao mercado a partir de 1/1/2006 (em 1/1/2007 para os "Riserva"). Assim, por seu longo período de preparação, o vinho, normalmente, chega ao mercado já com cor granada e alguns toques de evolução. Aromas típicos são geléias de frutas, musgo, couro, frutas secas e cristalizadas, defumados, pimenta preta, alcaçuz, baunilha e, é claro, carvalho (geralmente é usada madeira eslovena e nem sempre nova).
Alguns dos melhores exemplares, de mais raça, podem viver bem por 20 ou 30 anos, em alguns casos até mais. Este tipo de vinho precisa ser colocado em um decanter ao menos uma hora antes de ser servido, para que o líquido respire e os aromas se mostrem. Pelo mesmo motivo, taças de tamanho grande são bem-vindas. Para acompanhá-los, o indicado são as carnes vermelhas com molhos intensos. Cogumelos e trufas são boas escolhas, assim como caças, a exemplo do javali. Das safras recentes, as mais bem cotadas são 85, 88, 90, 95, 97 e 99, anos clássicos. O ano 2001, atualmente no mercado, é muito bom, enquanto 2002, que chega em breve, é considerado fraco. O que vem por aí é promissor, pois as safras de 2003, 2004 e 2005 foram excelentes.
Testei 10 Brunellos di Montalcino disponíveis em nosso mercado, todos de bom nível:
Brunelo di Montalcino Val di Suga 2000, Tenimenti Angelini (World Wine, R$ 280). Granada entre claro e escuro, nariz sério de médio ataque, couro, ameixas secas, musgo, defumados, especiarias doces, chocolate amargo. Entra na boca quente, com a maciez dos 14% de álcool aparecendo, mas se mostra seco no meio de boca, com taninos presentes, firmes e finos no fim de boca.
Brunello di Montalcino Vigna delle Raunate 2001, Mocali (Casa do Vinho, R$ 280). Amadurecido por 36 meses em recipientes de carvalho de vários tamanhos. Rubi escuro, com primeiros reflexos alaranjados. Nariz amplo e elegante, com frutas maduras, toque de frescor, couro novo, tabaco, balsâmicos, musgo, violetas, toque mineral. Paladar encorpado, largo no meio de boca, quente e macio, com 14% de álcool, taninos macios ainda presentes. Boa persistência. Um Brunello rico, frutado, com taninos elegantes.
Brunello di Montalcino 2001, Altesino (Mistral, US$ 99,50). Amadurecido por dois anos em barris eslovenos. Vermelho granada escuro com os primeiros reflexos alaranjados. Aromas de boa complexidade e elegância, com toque de vegetais e ervas (musgo, estragão), especiarias (pimenta preta, alcaçuz, baunilha), geléias e toque mineral. Paladar encorpado equilibrado, com frescor, taninos macios, 14% de álcool, longo. Um Brunello com estrutura, fruta e elegância.
Brunello di Montalcino 2000, La Poderina (Expand, R$ 298). 60% do vinho passa um ano em barricas francesas e depois mais um ano em madeira eslovena, o restante fica dois anos em tonéis maiores. Cor vermelho granada escuro, com reflexos alaranjados. Aromas ainda frutados com alguma evolução, mostrando cerejas pretas, ameixas, alcaçuz, tostados, musgo, violetas, couro novo, café. Paladar encorpado, taninos presentes, mas aveludados, acidez equilibrada, longo. La Poderina costuma mostrar Brunellos modernos, com extrato e boa fruta, estilo que aparece, sobretudo, em um ano quente, como 2000.
Brunello di Montalcino Riserva 1999, Caprili (Decanter, R$ 339,30). Amadurecido por quatro anos em barris de 400 litros de carvalho esloveno. Vermelho granada com reflexos alaranjados. Aromas com boa definição e complexidade, bastante etéreo, com fruta passa (cereja, ameixas), café, musgo, menta, alcaçuz, pele de salame, fundo mineral muito elegante. Paladar seco, com sólida estrutura de taninos muito finos, quente, com 14% de álcool, muito persistente. Vinho muito equilibrado, estilo clássico, para longa guarda.
Brunello di Montalcino Castelgiocondo 2001, Marchesi de Frescobaldi (Terroir, R$ 425). Amadurecido por quatro anos em carvalho. Vermeho granada ainda com reflexos rubi. Aromas de médio-bom ataque, com boa complexidade, frutas maduras na frente (amoras, morangos, cassis), com baunilha, violetas pimenta do reino, tabaco, tostados. Paladar largo no meio de boca, com taninos estruturados, mas macios, 13,5% de álcool, bastante persistente. Estilo moderno, mais frutado e menos austero, mas ainda com corpo, taninos e perfil para guarda.
Brunello di Montalcino 1999, Casa Nouva delle Cerbaie (Casa do Vinho, R$ 250). Permanece por quatro anos em madeira. Cor granada ainda com tons de rubi, apesar dos quase oito anos de idade.
Aromas na transição, já bastante etéreos, mas ainda com toques de frescor e fruta madura, além de muito couro, especiarias, cacau amargo. Paladar estruturado, com taninos bem presentes, algo porosos, os 14% de álcool se fazem presentes na boca, longo. Um Brunello firme, com extrato, mais força que elegância, para longa guarda.
Brunello di Montalcino 2001, Conti Costanti (Mistral, US$ 99,50). Granada entre claro e escuro, com reflexos alaranjados. Ótimo ataque aromático, fruta madura na frente, ameixa e cereja, com perfil na transição, muito couro, tostados, toques balsâmicos, chocolate, salame, especiarias doces (alcaçuz, baunilha). Paladar estruturado, quente, com 13,5% de álcool, taninos presentes firmes e finos, final longo onde a maciez do álcool aparece. Um Brunello elegante em estilo clássico, para guarda.
Brunello di Montalcino 2001, Caprili (Decanter, R$ 269). Permanece por três anos em barris de carvalho esloveno. Vermelho granada com reflexos na transição de rubi para alaranjado.
Aromas que misturam frescor e seriedade, com frutas maduras, cacau amargo, especiarias doces, tabaco, musgo, café.
Paladar estruturado, taninos finos e ainda bem presentes, equilibrado com acidez correta, 14% de álcool, longo. Um Brunello potente, em estilo tradicional.